O sistema puxado é uma das ferramentas lean mais difíceis de se implantar, apresentando muitas dificuldades em sua operacionalização e sustentação. Ainda hoje, é motivo de muitas dúvidas, confusões e polêmicas. E, ao mesmo tempo, é uma das que podem trazer os resultados mais importantes.
Vamos relembrar o que é o sistema puxado. Trata-se do elemento fundamental do Just in Time (JIT) que significa ter a coisa necessária, na quantidade necessária, no momento necessário e no lugar necessário.
“Sistema Puxado ou Produção Puxada é o método de controle da produção em que as atividades fluxo abaixo avisam as atividades fluxo acima sobre suas necessidades”. As formas básicas de sistema puxado são: sistema puxado com supermercado, sistema puxado sequencial (para produção sob encomenda) e sistema puxado misto.
Ele permite conectar processos, de modo a permitir que se produza o que é realmente necessário, evitando o excesso de produção (fazer mais ou antes do necessário) e as faltas de materiais. Como resultado, temos menores estoques, disponibilidade permanente de material, maior produtividade, melhores níveis de entrega, maior facilidade de exposição de problemas, entre outros.
Um dos instrumentos usados como sinalização e operacionalização do sistema pode ser o conhecido cartão kanban que traduzido do japonês significa “sinal” ou “quadro de sinais”. O kanban é “um dispositivo sinalizador que autoriza e dá instruções para a produção ou retirada de itens em um sistema puxado”. Mas há inúmeros outros possíveis como embalagens vazias, sinais visuais ou eletrônicos etc. para mostrar que está na hora de repor ou produzir itens consumidos.
As origens do sistema puxado remontam aos anos 50 na Toyota do Japão. Uma das inspirações veio do funcionamento dos supermercados americanos, na época um conceito revolucionário.
No Brasil, as primeiras experiências com o sistema datam dos anos 80, na primeira onda de difusão de ferramentas “modernas” que se viam, de forma superficial, nas inúmeras viagens ao Japão, em particular à Toyota.
Apesar de tão antigo e aparentemente tão simples e óbvio, por que falham ou se tornam inoperantes e obsoletos os sistemas puxados nas empresas que os usam? Mesmo nas empresas que estão iniciando a implantação de seus sistemas puxados, as dificuldades são igualmente grandes.
Com base em muitos anos de experiência de nossos instrutores e gerentes de projeto em centenas de empresas, registramos a seguir alguns dos maiores problemas e dificuldades nas áreas de:
Estratégia e Liderança. Quando a transformação lean e suas decorrências não fazem parte do norte verdadeiro da empresa, não possibilita o alinhamento de todas as áreas com foco nos mesmos objetivos. Assim, com frequência, nesses casos, o sistema puxado se torna uma ferramenta da produção apenas e não uma maneira totalmente distinta de fazer a conexão interna entre os processos e com os clientes e fornecedores.
Além disso, a troca constante de comandos, a multiplicidade de iniciativas estratégicas, algumas deles conflitando entre si, são outros fatores relevantes que atrapalham a perenização do sistema puxado. A “alta administração” com frequência está muito distante do gemba, não entende as dificuldades e as vantagens do sistema e pode tomar decisões de negócios equivocadas do ponto de vista do sistema puxado.
A delegação da implantação lean a coordenadores ou a gerência de produção reforça a visão do lean como ferramentas e não como um sistema ou uma maneira de pensar e agir. O sistema puxado é um dos que mais sofrem com isso em virtude de seus impactos sistêmicos e profundos no sistema de gestão e na relação com os clientes finais.
Vendas/Área Comercial. O papel da área comercial é vital para o sucesso do sistema puxado. Muitas vezes, gera inúmeras oscilações artificiais nos volumes e mix de vendas, tendo em vista a necessidades de maximizar os resultados da própria área comercial e não necessariamente da empresa toda, como promoções etc. Não há nem uma definição e nem um compromisso claro com o tempo takt que nortearia o ritmo comum de vendas, produção e entrega dos fornecedores.
As previsões de vendas, muitas vezes, contêm erros graves. Sem uma base mais precisa do comportamento da demanda, e mais importante, sem uma análise mais profunda e precisa, o dimensionamento dos supermercados, quando necessários, é prejudicado. E a análise da demanda histórica e das tendências, feita de forma superficial, torna-se igualmente uma dificuldade adicional.
Gestão e Operacionalização. Muitos dos problemas com os sistemas puxados ocorrem na sua gestão propriamente dita. Assim, o PCP tradicional pode não perceber a mudança radical do sistema em que cada processo se comunica diretamente com outro, sem necessariamente passar pelo PCP central. Assim, o sistema puxado perde a sua agilidade e velocidade, além dos ganhos de envolvimento e engajamento das pessoas no chão de fábrica. E muitas vezes essa interferência implica seguir com elementos do sistema empurrado anterior, criando um sistema parcialmente puxado ou puxado na “aparência”, pois os kanban substituem as antigas ordens de produção, mas a essência do sistema segue a mesma.
Além disso, por exemplo, podemos nos defrontar com a falta de acompanhamento dos níveis do supermercado e, consequentemente, a falta de revisão de seus níveis. As empresas fazem o cálculo uma única vez e depois não revisam o dimensionamento feito. Assim, é fundamental criar uma sistemática de revisão e atualização dos níveis do supermercado. Em muitos casos, uma revisão mensal pode ser suficiente e sempre quando houver uma variação grande no tempo takt.
O treinamento das pessoas muitas vezes não é adequado, não há acompanhamento próximo dos supervisores, os quais têm responsabilidades pouco claras e autonomia restrita, e menos ainda da gerência, distante e ausente. A falta de um esforço de nivelamento é outro fator critico para o insucesso na operação do sistema puxado.
E ainda, a tentativa de utilizar complexos sistemas de TI já existentes dá uma tintura moderna ao sistema puxado que, em essência, deveria ficar o mais próximo possível do chão de fabrica e ser o mais simples possível. Porém, esses sistemas tornam a gestão mais complexa e menos visível.
Finalmente, é fundamental estabelecer, de forma clara e transparente, o trabalho padrão da gestão do sistema puxado.
Pré-condições. Muitas vezes, as empresas têm carências tão elementares que inviabilizam a implantação do sistema puxado. Não se deve por em ação o sistema puxado sem antes verificar a existência das condições básicas necessárias. Por exemplo, a estabilidade básica da operação dos 4 Ms (Material, Método, Mão-de-obra e Máquina) deve ser considerada, assim como estabilidade da programação e do pessoal envolvido e os compromissos da alta administração. Ou ainda, são pontos essenciais os fundamentos da operação, tais como a existência de capacidade, de disponibilidade e de confiabilidade de todos os processos. Ter um fluxo produtivo, claro e bem definido, em fluxo contínuo, sempre que possível, e padronizado com o ritmo (takt) definido pelo cliente também é fundamental.
Essa é a nossa visão.
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